Melchíades Lupi

Por Miguel Caetano

José Maria Melchiades Lupi nasceu em Lisboa, na freguesia de Nª. Sr.ª. da Ajuda, e do registo consta ser “de Nação Romana”. Casou com Maria Cândida Corrêa, natural da mesma freguesia, na igreja de N.ª Sr.ª dos Mártires. Foi funcionário do Banco de Portugal. Teve quatro filhos, mas três morreram em 1844, durante uma epidemia de escarlatina, e apenas Samuel chegou à idade adulta. José Maria morreu em 1867, no lugar do Caramão da Ajuda[1].

Para a história dos Santos Lupi, figura importante nas gerações seguintes, torna-se fundamental falar de José Maria dos Santos.

A primeira referência que encontro sobre a família Santos é na Certidão de Baptismo de Samuel dos Santos Lupi, neto materno de Caetano dos Santos e de Maria Gertrudes, ou Gertrudes Maria. Este Caetano dos Santos era, segundo a certidão, proprietário de profissão e residente na Travessa das Pícoas (?), nº 13 (outros documentos dizem ter sido ferreiro ou ferrador).

Caetano e Gertrudes tiveram quatro filhos: José Maria, Joana, Joaquina e Maria José. Joaquina dos Santos casou com Samuel Lupi. Maria José dos Santos casou com um senhor de apelido Jorge, donde surgiu o apelido Santos Jorge; o seu filho António casou com a prima, Maria Cândida, nada de interesse havendo a dizer sobre os outros filhos de Maria José.

Joana dos Santos casou com António Lopes Mendes. Lopes Mendes, nascido em 1835, formou-se em medicina veterinária e agronomia, foi professor e desempenhou várias missões como técnico agrícola, nomeadamente na Índia e no Brasil, ilustrando sempre os seus trabalhos com desenhos da sua autoria. Em Portugal, saliento os seus trabalhos sobre o Buçaco e a sua participação na Expedição Científica à Serra da Estrela, organizada em 1881 pela Sociedade de Geografia de Lisboa.

José Maria dos Santos foi uma personalidade marcante da sua época e teve influência determinante na história dos Santos Lupi. Nasceu em 1832, formou-se em medicina veterinária (não está comprovado), e casou com Maria Cândida Ferreira Braga S. Romão.

Maria Cândida S. Romão era proprietária da Herdade de Rio Frio, que nessa época não incluía as Herdades da Barroca d’Alva, Passil, Rilvas, Pereiro, Pontão e Monte Laranjo. Em 1877, José Maria dos Santos adquire estas herdades à família Daupiás (descendentes do célebre Jácome Ratton), passando a possuir nos concelhos de Montijo, (Alcochete), Palmela e Benavente um total de 17.000 hectares. Posteriormente, adquire terras em Palma, no concelho de Alcácer do Sal, a Herdade de Machados, no concelho de Moura, a Herdade da Defesa da Pedra Alçada, no concelho de Redondo, etc., chegando a ter uma lavoura que, no total, se estendia por quase 50.000 hectares. A sua exploração agrícola foi considerada a maior do país, e a vinha que plantou em Rio Frio uma das maiores do mundo, sendo considerado um dos mais inovadores agricultores do seu tempo.

Não descurando a influência política, foi deputado pelo círculo do Barreiro e Aldegalega de 1869 até 1893, tendo sido nomeado par do reino e tomado assento na câmara alta neste ano (sobre a Herança S. Romão e José Maria dos Santos ver o artigo de Conceição Andrade Martins “Opções económicas e influência política de uma família burguesa oitocentista: o caso de S. Romão e José Maria dos Santos”, na revista “Análise Social”, vol. XXVII, 1992).

Não tinha filhos, mas com ele trabalharam alguns sobrinhos, nomeadamente Samuel dos Santos Lupi e, provavelmente, António dos Santos Jorge e um neto da mulher, Andrade ou Posser de Andrade. Morreu, viúvo, em 1913, depois de ter vivido cerca de um ano já limitado por doença cardíaca, e o seu testamento criou problemas que tiveram consequências na família pelo menos até à década de 1960.

No seu testamento, feito em 1909, José Maria dos Santos deixa, para além de diversos legados sem interesse:

– a Herdade de Palma à sobrinha de sua mulher, Maria Cândida S. Romão, e a seu marido, José Maria de Andrade;

– a Herdade de Rio Frio (incluindo a Barroca d’Alva e todas as outras atrás mencionadas) à sua sobrinha Maria Cândida Santos Lupi e a seu marido, também seu sobrinho, António Santos Jorge;

– a Herdade de Machados ao seu sobrinho Samuel dos Santos Lupi;

Estipula ainda o testamento que será herdeiro dos bens, direitos e acções que constituírem o remanescente da herança o sobrinho António dos Santos Jorge, sendo seus testamenteiros este herdeiro e Samuel dos Santos Lupi.

Aconteceu que em 30 de Março de 1913 morreu Samuel dos Santos Lupi, encontrando-se José Maria dos Santos, então já com 81 anos, com graves perturbações cardíacas, das quais viria a morrer em 19 de Junho do mesmo ano. Entenderam os restantes herdeiros não o informar da morte do sobrinho, com medo do choque que tal notícia lhe poderia causar, o que teve como resultado que José Maria dos Santos não teve oportunidade de alterar o seu testamento, se por acaso o desejasse, substituindo o seu falecido sobrinho pelo filho, José, então com dez anos, e cuja existência, apesar da ilegitimidade, era certamente do conhecimento do tio.

Como consequência, António dos Santos Jorge, na sua qualidade de herdeiro do remanescente, recebe também a Herdade de Machados. Ao que consta, foi entretanto nomeado tutor do menor, nada se sabendo quanto ao destino dado às casas de Belém e da Ajuda, de que Samuel dos Santos Lupi era proprietário (que admito terem sido vendidas para com o seu dinheiro se construir a casa que foi de José Lupi na Alameda das Linhas de Torres), nem quanto às razões que levaram a integrar em Rio Frio as fazendas do Rego da Amoreira que tinham pertencido a Samuel dos Santos Lupi. Os tios António e Cândida dos Santos Jorge assumiram sempre os encargos e responsabilidades com a educação do sobrinho José e, depois deste se ter formado em agronomia, entregaram-lhe a administração de Rio Frio (depois de um curto período na administração da Herdade de Machados). Legalmente tudo parece correcto, e é natural que estivesse; mas sempre transpareceu que os tios sentiam a obrigação moral de compensar o sobrinho José pelo sucedido.

Assim, existe documento particular de 1946 no qual Maria Cândida Lupi dos Santos Jorge afirma que deixará ao seu sobrinho José Lupi uma quarta parte de todos os bens que tinham constituído o património dela e de seu marido, António dos Santos Jorge, entretanto já falecido, pedindo a seu filho e a seu sobrinho que “as partilhas sejam feitas na melhor harmonia como bons irmãos e muito amigos”. E no mesmo sentido faz testamento público em Abril de 1957, onde se diz que “dos bens, direitos e acções de que lhe for lícito dispor ao tempo do falecimento dela testadora, nomeia seu herdeiro a seu sobrinho José Lupi”. E entre todos era facto assente que a Herdade de Rio Frio ficaria para a família Lupi, pelo que para facilitar as partilhas e diminuir os direitos sucessórios, decidiram criar uma sociedade anónima, a Sociedade Agrícola de Rio Frio, em Maio do mesmo ano de 1957.

Entretanto, e sem que se saiba exactamente o que se passou, Maria Cândida Lupi dos Santos Jorge resolve fazer novo testamento em Novembro de 1958, sem conhecimento do seu sobrinho, no qual declara que institui o seu único filho, Samuel Lupi dos Santos Jorge, “único e universal herdeiro de todos os seus bens, direitos e acções” e que “deixa em legado a seu sobrinho Engenheiro José Lupi, três mil setecentas e cinquenta acções da Sociedade Agrícola de Rio Frio…”, ou seja, o correspondente a 18,75% do respectivo capital social.

A tia Cândida viveu ainda até 1961, tendo falecido em Outubro deste ano com 96 anos. Aberto o testamento, José Lupi procurou, de imediato, esclarecer o assunto com o primo Samuel.

Procurando uma solução que garantisse ao primo que não lhe queriam tirar o prometido, mas que lhe permitisse, ao mesmo tempo, manter o controlo da administração de Rio Frio, Samuel dos Santo Jorge, por escritura de 2 de Dezembro de 1961 (anterior, portanto, ao seu casamento realizado a 7 do mesmo mês e ano), faz uma doação pura e irrevogável a José Lupi e esposa de todas as acções que possui no capital da Sociedade Agrícola de Rio Frio, mas reserva para si, enquanto for vivo, o usufruto das mesmas acções, incluindo expressamente o direito a receber os respectivos dividendos e a intervir com direito a voto em todas as assembleias gerais.

Entretanto, não sei em que data nem porque processo, a casa do Estoril – o Chalet Lupi -, que fora construído pelo pai de José Lupi, Samuel dos Santos Lupi, mas cuja propriedade também era da tia Cândida, passou a ser propriedade de José Lupi.

“O homem põe e Deus dispõe”. Samuel dos Santos Jorge só exerceu o controlo de Rio Frio durante cerca de dois anos, pois veio a morrer em Janeiro de 1964, com 66 anos. E assim ficou constituído o património dos Pereira Lupi.


[1] Arquivos particulares de Maria José Lupi Caetano.